sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


                                                     
                                                   

                                                      Adolescência

                                                                                             Maria Alice Lima Ferreira

  





    Do alto dos meus sessenta e cinco anos, olho para trás e vejo uma menininha franzina, assustada, que encosta um caderno de espiral, que acabara de             comprar,   ao peito, com os olhos, quase saltando das  órbitas.   Que temia ela? A presença do pai, que acabara de perceber, vindo em sua    direção, no meio da rua. Ficou perplexa, paralisada. Ele a alcançou e...
   - Ah, peguei-a! Está na rua! Que colégio é esse, que deixa uma menina sozinha, zanzando na rua? Afinal, deixo-a  lá, para ficar sossegado e elas a deixam sair desacompanhada? – disse ele, segurando-a firmemente pelo punho direito, com a sua mão forte, da qual não conseguia se desprender.
   - Calma,  pai, as irmãs não estão me educando, para o convento não. Estão me educando para o mundo. E eu pensei que o senhor tivesse me colocado num colégio interno, para eu estudar, para me educar...
   - É foi. Mas, também quero ter o sossego de sabê-la bem guardada – respondeu ele, tomado pela surpresa, que as palavras da filha lhe causaram, mas sem afrouxar a mão grande,  a esquerda, que grudara no punho fino da garota.
   - Pai, olhe o escândalo! Todos estão nos olhando. Solte-me, por favor!
   Ele, meio que sem graça, afrouxou os dedos e os escorregou para a mão delicada da menina, segurando-a, mais tranqüilo, então.
   Ela respirou aliviada e prosseguiu:
   - Pai, agora eu vou de volta para o Colégio. Só vim comprar um caderno, pois estava precisando.
   - Mas, eu vou levar você até lá, porque quero ter uma prosa com a sua diretora. Afinal, ela não pode deixar você solta por aí não!
   - Pai, eu já tenho quinze anos. Não sou mais uma criança não. Mas, se o senhor quer ir até lá, vamos!
   E seguiram na direção do morro, que teriam que subir, até alcançarem o Colégio pomposo, com suas janelas de vidro, sua cor azul-celeste, suas telhas francesas, que podiam ser vistas desde o pé do morro, apesar de toda a arborização, que havia ao redor do enorme casarão. À frente, podia-se divisar a escada larga e  grande, que descia desde a porta gigante, de vidro, e terminava , onde começava a trilha, na qual pai e filha caminhavam, naquele momento, subindo em direção ao Colégio. No início da trilha, de cima para baixo, é que ficavam os arbustos de pinheiros e plantas nativas do local. Como  a construção se erguia sobre um patamar bem alto, então as plantas, que ficavam num nível inferior, não lhe cobriam a beleza, que desde a cidade se podia ver.
   O pai ia à frente e a menina atrás. Ele arrastava a perna direita, que numa queda, sofrera uma fratura de fêmur, recentemente, então.
   A garota o observava: era bonito o seu pai. Trajava uma calça num modelo antigo, bege e uma camisa de um azul claro, que realçava a cor azul dos seus olhos, puxados aos antepassados, tais quais os dela. Em tudo se parecia  com ele: na cor dos cabelos dourados, que lhe chegavam encaracolados até a cintura, na cor da pele clara, no temperamento explosivo... Ele tinha os cabelos lisos, curtos, penteados para trás.
   De repente, parou cansado. Sentou-se à beira do barranco e convidou-a a sentar-se também, no que ela prontamente aceitou, postando-se do seu lado direito.
   Sentindo-o mais desarmado, ela arriscou:
   - Pai, se fosse o senhor, não diria nada à irmã não.
   - Por quê?
   - Desculpe, mas acho que ela vai rir do senhor. É que as irmãs nos educam para a vida, não para sermos sepultadas em vida. Elas são muito liberais e confiam na educação que nos dão. Por isso, não impedem a gente de ir à rua, se for necessário.
   Ele ficou mudo. Sem resposta. Levantou-se e continuou a caminhada. Ela atrás.
   - Não vou dizer nada a ela não. Fique tranquila. Só vou levar você até lá.
  - Pai...
  - Que é? – perguntou, olhando para trás.
  - Tenho medo de o senhor morrer.
  - Por quê?
 - Porque não vou saber viver sozinha. Já reparou que é o senhor e só o senhor, quem escolhe minhas roupas, meus calçados... Bom gosto o senhor tem, mas...
   - Mas, o quê?
   - Eu queria aprender a ter bom gosto também. O senhor não podia deixar que eu mesma escolhesse e comprasse minhas roupas, meus calçados?
  - É você tem razão... A próxima compra você pode fazer.
 - Oba! Mas, tem mais: queria que o senhor confiasse mais na educação que me dá. Se confiar, não trairei sua confiança.
  - Como assim? O que quer mais?
  - Quero que o senhor estique mais o tempo, que me deixa ficar com meus amigos, na pracinha. A hora, que tenho que voltar para casa, é a hora, que muita gente está saindo de casa, não acha não? 09:00 h é muito cedo!
   - Tá. De agora em diante, poderá ficar até 09:30 h.
   - Ela achou pouco, mas sentiu-se vitoriosa em sua investida.
  - Obrigada. Mas, tem mais...
  - Mais o quê?
 - Queria que o senhor não marcasse mais o meu lugar no ônibus não. O senhor só me põe sentada perto de velho. Sabe aquele dia, que o senhor me deixou pegar o ônibus sozinha,  porque estava doente? Então... Sentei perto de um jovem da minha idade e foi bem melhor do que , quando viajei, pela última vez, perto de um velho. O senhor pensa que a honestidade, o respeito e a bondade só existem em cabelos brancos? Que nada! Aquele velho sem-vergonha começou a passar as mãos em minhas pernas, assim que o ônibus deu partida. Aí...
  - Me mostre que velho é esse e eu... – dizia, com os olhos crepitando de ódio.
  - Calma,  paizinho! Eu me levantei e viajei até aqui, de pé. Não havia mais cadeiras desocupadas... Já aquele jovem, que eu sentei perto dele, me respeitou,  conversamos assuntos saudáveis e eu o achei até muito simpático. Veja bem: nem todo homem que tem cabelos brancos é confiável.
   - Estou vendo que não conhecia minha filha. – disse ele atrasando o passo e esperando por ela, com os braços abertos.
    Ela correu para ele, enroscando-se naquele abraço. Ele a beijou na testa, suavemente. Começava ali uma nova etapa no caminho da menina. Pouco a pouco, ela foi conquistando toda a liberdade, que uma mulher podia conseguir, naquela época.
   - Filha...
  - Que é?
  - Pode também escolher o seu lugar no ônibus, sim?
  -  Oba! Obrigada! – disse ela, abraçando-o e beijando-o na face.
 A vida seguiu seu rumo. A menina já não tem o pai nem a mãe. Nem é mais uma menina. Tem agora a mesma idade, que o seu pai tinha, naquele dia. Olha para trás e pensa: É, valeu aquele papo...

  

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