Adolescência
Maria Alice Lima Ferreira
Do alto dos meus sessenta e cinco anos, olho para trás e vejo uma menininha franzina, assustada, que encosta um caderno de espiral, que acabara de comprar, ao peito, com os olhos, quase
saltando das órbitas. Que temia ela? A presença do pai, que acabara de
perceber, vindo em sua direção, no meio da rua. Ficou perplexa, paralisada. Ele
a alcançou e...
- Ah, peguei-a! Está na rua! Que colégio é
esse, que deixa uma menina sozinha, zanzando na rua? Afinal, deixo-a lá, para ficar sossegado e elas a deixam sair
desacompanhada? – disse ele, segurando-a firmemente pelo punho direito, com a
sua mão forte, da qual não conseguia se desprender.
- Calma, pai, as irmãs não estão me educando, para o
convento não. Estão me educando para o mundo. E eu pensei que o senhor tivesse
me colocado num colégio interno, para eu estudar, para me educar...
- É foi. Mas, também quero ter o sossego de
sabê-la bem guardada – respondeu ele, tomado pela surpresa, que as palavras da
filha lhe causaram, mas sem afrouxar a mão grande, a esquerda, que grudara no punho fino da
garota.
- Pai, olhe o escândalo! Todos estão nos
olhando. Solte-me, por favor!
Ele, meio que sem graça, afrouxou os dedos e
os escorregou para a mão delicada da menina, segurando-a, mais tranqüilo,
então.
Ela respirou aliviada e prosseguiu:
- Pai, agora eu vou de volta para o Colégio.
Só vim comprar um caderno, pois estava precisando.
- Mas, eu vou levar você até lá, porque
quero ter uma prosa com a sua diretora. Afinal, ela não pode deixar você solta
por aí não!
- Pai, eu já tenho quinze anos. Não sou mais
uma criança não. Mas, se o senhor quer ir até lá, vamos!
E seguiram na direção do morro, que teriam
que subir, até alcançarem o Colégio pomposo, com suas janelas de vidro, sua cor
azul-celeste, suas telhas francesas, que podiam ser vistas desde o pé do morro,
apesar de toda a arborização, que havia ao redor do enorme casarão. À frente,
podia-se divisar a escada larga e grande, que descia desde a porta gigante, de
vidro, e terminava , onde começava a trilha, na qual pai e filha caminhavam,
naquele momento, subindo em direção ao Colégio. No início da trilha, de cima
para baixo, é que ficavam os arbustos de pinheiros e plantas nativas do local.
Como a construção se erguia sobre um
patamar bem alto, então as plantas, que ficavam num nível inferior, não lhe
cobriam a beleza, que desde a cidade se podia ver.
O pai ia à frente e a menina atrás. Ele
arrastava a perna direita, que numa queda, sofrera uma fratura de fêmur,
recentemente, então.
A garota o observava: era bonito o seu pai.
Trajava uma calça num modelo antigo, bege e uma camisa de um azul claro, que
realçava a cor azul dos seus olhos, puxados aos antepassados, tais quais os
dela. Em tudo se parecia com ele: na cor
dos cabelos dourados, que lhe chegavam encaracolados até a cintura, na cor da
pele clara, no temperamento explosivo... Ele tinha os cabelos lisos, curtos,
penteados para trás.
De repente, parou cansado. Sentou-se à beira
do barranco e convidou-a a sentar-se também, no que ela prontamente aceitou,
postando-se do seu lado direito.
Sentindo-o mais desarmado, ela arriscou:
- Pai, se fosse o senhor, não diria nada à
irmã não.
- Por quê?
- Desculpe, mas acho que ela vai rir do
senhor. É que as irmãs nos educam para a vida, não para sermos sepultadas em
vida. Elas são muito liberais e confiam na educação que nos dão. Por isso, não
impedem a gente de ir à rua, se for necessário.
Ele ficou mudo. Sem resposta. Levantou-se e
continuou a caminhada. Ela atrás.
- Não vou dizer nada a ela não. Fique
tranquila. Só vou levar você até lá.
- Pai...
- Que é? – perguntou, olhando para trás.
- Tenho medo de o senhor morrer.
- Por
quê?
- Porque não vou saber viver sozinha. Já
reparou que é o senhor e só o senhor, quem escolhe minhas roupas, meus
calçados... Bom gosto o senhor tem, mas...
- Mas,
o quê?
- Eu queria aprender a ter bom gosto também.
O senhor não podia deixar que eu mesma escolhesse e comprasse minhas roupas,
meus calçados?
- É você tem razão... A próxima compra você
pode fazer.
- Oba! Mas, tem mais: queria que o senhor
confiasse mais na educação que me dá. Se confiar, não trairei sua confiança.
- Como assim? O que quer mais?
- Quero que o senhor estique mais o tempo,
que me deixa ficar com meus amigos, na pracinha. A hora, que tenho que voltar
para casa, é a hora, que muita gente está saindo de casa, não acha não? 09:00 h
é muito cedo!
- Tá. De agora em diante, poderá ficar até
09:30 h.
- Ela achou pouco, mas sentiu-se vitoriosa
em sua investida.
- Obrigada. Mas, tem mais...
- Mais o quê?
- Queria que o senhor não marcasse mais o meu
lugar no ônibus não. O senhor só me põe sentada perto de velho. Sabe aquele
dia, que o senhor me deixou pegar o ônibus sozinha, porque estava doente? Então... Sentei perto de
um jovem da minha idade e foi bem melhor do que , quando viajei, pela última
vez, perto de um velho. O senhor pensa que a honestidade, o respeito e a
bondade só existem em cabelos brancos? Que nada! Aquele velho sem-vergonha
começou a passar as mãos em minhas pernas, assim que o ônibus deu partida.
Aí...
- Me mostre que velho é esse e eu... – dizia,
com os olhos crepitando de ódio.
- Calma, paizinho! Eu me levantei e viajei até aqui, de
pé. Não havia mais cadeiras desocupadas... Já aquele jovem, que eu sentei perto
dele, me respeitou, conversamos assuntos
saudáveis e eu o achei até muito simpático. Veja bem: nem todo homem que tem
cabelos brancos é confiável.
- Estou vendo que não conhecia minha filha.
– disse ele atrasando o passo e esperando por ela, com os braços abertos.
Ela correu para ele, enroscando-se naquele
abraço. Ele a beijou na testa, suavemente. Começava ali uma nova etapa no
caminho da menina. Pouco a pouco, ela foi conquistando toda a liberdade, que
uma mulher podia conseguir, naquela época.
- Filha...
- Que é?
- Pode também escolher o seu lugar no ônibus,
sim?
- Oba! Obrigada! – disse ela, abraçando-o e beijando-o
na face.
A vida seguiu seu rumo. A menina já não tem o
pai nem a mãe. Nem é mais uma menina. Tem agora a mesma idade, que o seu pai
tinha, naquele dia. Olha para trás e pensa: É, valeu aquele papo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que acha, gostou? Então deixe seu comentário, vou adorar lê-lo!