Uma História para Luíza
Maria Alice Lima Ferreira
Luíza pediu-me:
- Tia,
conte-me uma história?
Seus
olhinhos da cor de jabuticabas maduras e no formato de duas ameixas grandes, um tanto fechadinhos nos
cantos, junto às têmporas e cobertos por cílios pretinhos, eram dois pedintes a
implorar, na minha direção. Como podia recusar-lhe?
- Sim.
Conto. Mas, só se for uma história verdadeira.
- Oba!
Uma história verdadeira! Que bom tia!
Dirigimo-nos para a varanda. Sentei-me numa cadeira de recosto
curvado, de ferro, entrelaçado por
cordinhas de plástico azul escuro e ela posicionou a dela, idêntica à minha, de
frente, um pouco para o meu lado esquerdo. Comecei a narrar:
- Está
vendo aquele morro lá?
Ela
virou-se para vê-lo:
-
Aquele, muito alto, tia?
- É
aquele mesmo. Pois bem, lá mora uma garotinha, que tem seis anos, da sua idade,
então. O nome dela é Jolinha. Mas, a Jolinha não vai de carro pra escola não. O
pai dela nem tem carro como o seu, que a leva todo dia e depois vai buscá-la,
no fim das aulas. Jolinha desce a pé, o morro, com os coleguinhas dela, pra ir
à escola e depois volta com eles.
- E
onde é a escola dela?
- É
embaixo, no pé do morro. O pai dela não tem tempo de levá-la à escola e nem a
mãe dela. Os dois trabalham muito. Ele sai às 05:00h de casa e a mãe pega logo
no batente: lava muita roupa de gente, que mora aqui, entre nós. Depois passa,
coloca numas bolsas grandes e vai entregar às pessoas, que lhe pagam para isso.
Coitada! Até que gostaria de buscar a filha na escola, mas precisa voltar pra
casa rapidamente, pra preparar o jantar, tomar um banho e esperar por ela e o
marido. Este só chega de volta do trabalho, depois que a Jolinha já está
dormindo, porque trabalha muito longe e tem que pegar três ônibus, pra ir e
três pra voltar. Ele é pedreiro, faz casa pra gente rica, mas a casa dele, onde
mora a Jolinha, não é igual a sua não. É de tábuas e coberta de zinco, um
material da cor do alumínio, mas muito inferior. Só quando a professora manda
um bilhete, pedindo a presença dos pais, na escola, é que Dona Zuleika, a mãe
da Jolinha deixa o serviço se acumular, se apronta toda, com um vestido de
algodão verde, que ganhou de uma de suas patroas, bem justinho ao seu corpo
magricela, pega o cabelo comprido e prende-o num coque, no alto da cabeça e
desce o morro, para atender à professora, arrastando seus chinelos de couro.
Quase sempre há uma reunião, que dizem ser de pais, mas na verdade é de mães,
porque só elas conseguem ir. Este é o único dia, que Jolinha volta pra casa
acompanhada pela mãe e segue radiante, feliz e orgulhosa da mãe que tem.
- A
Jolinha tem brinquedos, tia?
-
Iguais aos seus não. Mas, tem os que ganha de Papai Noel, todos os anos. Ela tem
uma caixa grande, onde guarda todos eles.
- Ah,
então, Papai Noel vai a casa dela?
- Não. É
ela que desce o morro, junto com toda a garotada de lá e, embaixo, entra na
fila, ao meio-dia, hora que Papai Noel chega, pra entregar os presentinhos:
bolas, petecas, carrinhos, bonequinhas, mas nada tão luxuoso quanto os
brinquedos, que você ganha no Natal.
- Ai ,
tia, estou ficando com pena da Jolinha. Ela tem o cabelo liso e grande, a pele
da cor da minha e os dentes branquinhos? Tem?
-
Tem. Ela se parece muito com você, tem essa boca carnudinha e esse nariz
delicado, que nem o seu.
-
Tia, me leva pra conhecer a Jolinha? Por que o pai dela é tão pobre?
Respirei fundo. A história era verdadeira sim, à medida que se
assemelhava à história de tantas crianças pobres. Mas, onde eu ia arranjar uma
Jolinha verdadeira, pra minha sobrinha conhecer? Foi, então que tive a idéia:
- Sabe, Júlia, Jolinha não é um nome
verdadeiro. Eu inventei um nome, porque esqueci o dela. Mas, quando eu for
levar você lá, perguntaremos o seu nome. O pai dela é pobre, porque não teve a
mesma oportunidade que o seu, de cursar uma faculdade de Direito e trabalhar
muito bem em sua profissão. Advogado ganha mais que pedreiro, você sabe, porém
como o seu João, este é o nome do pai da personagem de nossa história, poderia
cursar uma faculdade, se os seus pais eram pobres também e não podiam financiar
nenhum curso, que lhe garantisse a matrícula, na faculdade? Naquele tempo, era
tudo um pouco mais difícil que hoje: os ricos cursavam a faculdade gratuita, do
governo, porque eram bem preparados em cursos pré-vestibulares excelentes e os
pobres, se passassem no vestibular, tinham que se contentar com as
particulares, caríssimas, que nem todos conseguiam pagar. Foi o caso do seu
João. Mas, agora chega de história. Já escureceu. É hora de tomar banho,
jantar, ver um pouco de TV e ir dormir, ok?
-
Sim, tia. Mas, quando eu for conhecer a Jolinha, a senhora me ajuda a fazer um
embrulho de brinquedos, para eu levar
pra ela?
-
Ajudo sim, mas não vamos levar só pra ela não. Vamos encher o carro de muitos
brinquedos e levar para todas as crianças de lá, está bem?
você tem um jeito bem diferente de escrever. Seus contos são bem criativos
ResponderExcluirvisite meu blog. www.meuscontoseversos.blogspot.com
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOberigada, amigo!
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